quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Minha casa, lugar de passagem

O filme 'O Terminal' conta a história de um cidadão vindo de um país chamado Krakozhia. Após desembarcar no Aeroporto JFK, nos Estados Unidos, Viktor Navorski (Tom Hanks) fica sabendo que houve um golpe militar em sua terra natal, e a situação é caótica. Para a administração do Aeroporto, enquanto esse país estiver em guerra, não será reconhecido como nação pelo governo norte-americano. Navorski então, com seu passaporte e visto inválidos, passa a ser classificado como um ‘inaceitável’ para o sistema, um sem-pátria, um cidadão de lugar nenhum, tendo seu visto de entrada anulado pelo Departamento de Estado.

Navorski passa a ‘morar’ no Aeroporto, fazendo desse ‘não lugar’ sua nova casa. Antes um local de passagem, de eterno trânsito para milhões de pessoas, passa a ser para ele um lugar de permanência. Em um aeroporto, não existe tempo para socialização. Entre idas e vindas, as pessoas não sabem mais se estão indo ou chegando.

Não existe mais a rotina da vida, dos turnos. Existe a vida cronometrada pelo relógio dos painéis de voos e decolagens, onde sempre algo está atrasado ou cancelado. A ‘flânerie’, ou seja, o ato de observar atentamente o cotidiano da cidade aparece diversas vezes durante o filme. Em sua situação singular, o personagem passa a ver o cotidiano de outras formas. Entre formulários de imigração, declarações da Alfândega e o trafego incessante de pessoas, ele parece alheio e ao mesmo tempo atento ao passar da multidão. O seu ‘flanar’ consiste em perceber o novo mundo através, por exemplo, das pessoas na praça de alimentação, e também tentar decifrar o máximo de imagens sobre o conflito na Krakozhia através dos telejornais. Até mesmo se comunicar tornou-se difícil, devido à barreira linguística imposta a ele. Por um momento ele se encontra sozinho na multidão, nesse novo mundo mediado pelas placas informativas, painéis eletrônicos e sinais luminosos.

Sempre paciente e de certa forma inocente perante o mundo agitado, Viktor Navorski acaba se tornando o Herói observador, pois ao mesmo tempo em que possui olhos para analisar as pessoas, os tem também para interferir no cotidiano. O Aeroporto virou seu Templo da observação, tanto por ele visto como também sendo alvo dos olhares dos policiais e das inúmeras câmeras de segurança, nesse ambiente de total vigilância. O personagem mostra certo estranhamento inicial em saber que está sendo filmado, mas depois parece sentir que isso é ‘normal’, dentro dessa sociedade.

Outros personagens da trama também exercem formas de observar. Vemos o zelador indiano Gupta, que se diverte vendo os passantes escorregarem no chão molhado que ele limpou, e ainda, que observa Navorski porque pensa se tratar de um espião a serviço do Governo. Vemos ainda o comissário geral Dixon, que ocupa o mais alto posto dentro do Aeroporto JFK, com os olhos eletrônicos das câmeras de vigilância. Ainda o encarregado da comida, Enrique Cruz, admirador secreto da oficial de policia Torres, que pede a Navorski que consiga informações sobre ela em troca de comida.

Observar. É essa a grande questão do filme. O protagonista, ao flanar pelo Aeroporto, aprendeu a viver durante nove meses de sua vida, enquanto esperava por uma resolução do conflito em seu país para que pudesse realizar o sonho de seu pai. Foi flanando também que encontrou uma forma de conseguir dinheiro para comprar comida. Foi flanando pelas lojas que ele aprendeu a ler, comparando guia turísticos em inglês com os guias de sua língua pátria. Percebe-se na construção das personagens essa ‘desterritorialização’, como no diálogo de Navorski com um passante, no banheiro do terminal:

“– Já se sentiu como se morasse num aeroporto?”

Também aparece no diálogo com Amelia Warren (Catherine Zeta Jones), a paixão de Navorski:

“- Eu moro aqui, assim como você.”

Todos têm essa sensação, a de não saber se estão indo ou estão voltando. De nenhum lugar para lugar nenhum, como Navorski, o Herói observador.

2 comentários

  1. Prof. Alessandra, como foi explicado, escrevi o comentário na sexta dia 9 de setembro e mandei pro seu e-mail no mesmo dia. Acontece que eu ainda não tinha sido aceito nesse blog, e agora que estou aqui, pude postar. Grato.

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  2. Acredito que cada vez mais é acentuada uma confusão entre lugar e não-lugar, ou seja, a inversão dos papéis. Nossas casa está se tornando um não-lugar, incrível!!

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