"O Amor Líquido" no filme "Medianeras"
Com
quantas pessoas por dia você conversa pessoalmente? E por mensagem
de celular? E pelo bate-papo do facebook? Talvez a resposta para as
duas últimas perguntas seja um número maior do que o respondido na
primeira. Nada estranho (estranho seria se você não tivesse celular
ou não tivesse uma conta no facebook), afinal vivemos na era da
modernidade, onde a internet deixou de ser uma opção para ser uma
forma de refúgio. Segundo Zygmunt Bauman:
“Dentro da rede, você
pode sempre correr em busca de abrigo quando a multidão à sua volta
ficar delirante demais para o seu gosto.” Quando nos sentimos sós,
insignificantes e tão pequenos para um mundo tão grande, recorremos
à internet. Era exatamente o que Martín, personagem do filme
Medianeras, fazia. Ele se sentia deslocado do mundo real e só se
encontrava no mundo tecnológico. Amizades, conversas, sexo, ler,
pagar contas, escutar música, comprar comida, alugar e ver filmes,
estudar, jogar... Tudo ele tinha pela internet. Segundo ele, “A
internet o aproximou do mundo, mas o distanciou da vida”. Martin
estava tão preso a esse mundo tecnológico que não sabia mais como
se relacionar interpessoalmente. Bauman
exemplifica isso na seguinte frase: “Quando a qualidade o
decepciona, você procura a salvação na quantidade. Quando a
duração não está disponível, é a rapidez da mudança que pode
redimi-lo”. A partir do momento que Martín começa a se envolver
pessoalmente com alguém ele não se encaixa na forma da pessoa, logo
a qualidade o decepcionou e ele vai atrás da quantidade: se
relaciona com algumas pessoas por um curto espaço de tempo, afinal
essa rapidez de mudança é o que pode redimi-lo.
“Aos
que se mantêm à parte, os celulares permitem permanecer em contato.
Aos que permanecem em contato, os celulares permitem manter-se à
parte...” Na primeira frase deste trecho elaborado por Bauman
evidenciamos exatamente o que ocorre com Martín. Ele vive à parte
do mundo, se sente isolado e insignificante, a única forma de se
aproximar desse mundo tão estranho e tão desconhecido por ele é
pela internet. Já na segunda frase, evidenciamos isso na personagem
que mantém uma relação casual com Martín. Ela estava tão próxima
a ele, porém, ao mesmo tempo, tão distante... Importando-se mais
com quem estava conversando por mensagens pelo celular do que com
alguém que estava ali, tão perto dela e tão disponível para ela.
Mariana
mantém uma relação conturbada com seu ex-namorado, como vemos no
filme. Ela não consegue largá-lo, nem ser totalmente verdadeira com
ele e falar que não o quer mais, prefere fugir e deixar por isso
mesmo. Mas e se fosse pela internet? Seria bem mais fácil o término
dessa relação. Ela poderia simplesmente apertar o botão de excluir
ou bloquear e nunca mais manter qualquer relação que fosse, pois
existiriam mais inúmeros contatos disponíveis. Seria como Bauman
citou: “É como folhear um catálogo de reembolso postal que traz
na primeira página o aviso “compra não-obrigatória” e a
garantia ao consumidor da “devolução do produto caso não fique
satisfeito””.
Martín
e Mariana estavam tão perdidos no mundo real que se deixavam ser
engolidos por um mundo fictício. Ele o da internet e ela no meio dos
seus manequins. Mas quantas pessoas também não estão tão perdidas
quanto eles? Quantas pessoas se deixam ser engolidas pelo que é
considerado atual e moderno? Tudo isso não é um absurdo, muito
menos é impossível. É fácil quando discutimos sobre esses
assuntos e colocamos a culpa na tecnologia ou nas pessoas. Não
existem culpados. A tecnologia não te obriga a largar seus amigos,
nem suas relações interpessoais. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas se
acomodam sem o próprio consentimento. Afinal é mais seguro se
envolver com a internet e na internet, pois as decepções são menos
possíveis, o botão de “excluir” ou “bloquear” estará
sempre lá. Bauman reflete sobre tudo isso: “Seria tolo e
irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento mas
constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a
face, multifacetada e multiuso. (...) Não admira que a proximidade
virtual tenha ganhado a preferência e seja praticada com maior zelo
e espontaneidade do que qualquer outra forma de contiguidade. A
solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone
celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais
segura do que compartilhar o terreno doméstico comum”.
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